sábado, 17 de outubro de 2009

Pio XII e a II Guerra: A Ascensão do Nazismo e a Igreja Alemã

CAPÍTULO II

OS DIFÍCEIS ANOS 1930

2.2 A ASCENSÃO DO NAZISMO E A IGREJA ALEMÃ

Enquanto isso, na Alemanha, o governo da moribunda República de Weimar preparava-se, finalmente, para assinar uma Concordata com o Vaticano depois de muitos anos de negociações. A situação da Alemanha, no início dos anos 1930, era econômica e politicamente muito preocupante, sobretudo pelas sucessivas crises econômicas agravadas pela Grande Depressão de 1929, que fez cessar o fluxo de investimentos financeiros americanos. Embora todo o mundo estivesse sofrendo com a crise, esta se apresentou particularmente grave na Alemanha, mais grave do que em qualquer outro país europeu. Além disso – e também por causa disso – o sistema democrático parlamentar alemão passava por uma crise sem precedentes, com o povo faminto e desempregado, sem nenhuma perspectiva de vida, questionando-se sobre a utilidade de um sistema que não conseguiu, em pouco mais de uma década, tirar a Alemanha do buraco em que se achava desde o fim da Guerra. Foi nesse ambiente social desgastado, terreno fértil para as aventuras totalitárias, no qual a pobreza e o desemprego reinavam e as instituições eram corroídas pela crise e pelas disputas políticas, que o partido de Hitler foi paulatinamente crescendo na preferência popular.
"Nacionalistas, banqueiros, industriais e o eleitor comum estavam todos convencidos, durante os anos de 1931 e 1932, que o partido nazista era o único que poderia impor ordem às coisas do estado e resolver o problema dos desempregados, que somavam já mais ou menos 3 milhões, por volta de 1930. Este número aumentaria para 8 milhões em 1932, muitos deles ingressando nas fileiras das SA[1], para ter algo que fazer" (MANVELL, 1974, p. 40).
Nas eleições de 14 de setembro de 1930, os nazistas conseguiram seis milhões e meio de votos, um total de 107 cadeiras no Reichstag, o parlamento alemão, contra as doze que tinham adquirido nas eleições de 1928. Nas eleições presidenciais de 1932, Hitler obteve onze milhões de votos contra dezoito milhões do presidente eleito Paul Von Hindenburg, mas sua posição se tornou bem confortável para o futuro. Nas eleições de julho de 1932, os nazistas conseguiram 230 cadeiras. Em novembro, perderam 37 dessas vagas, mas através de manobras e conchavos políticos, Hitler conseguiu ser nomeado chanceler em 30 de janeiro de 1933. Acusando os comunistas de conspirarem contra o novo governo, e dando como prova o incêndio do prédio do Reichstag, atribuído a eles, Hitler assinou, em 23 de março, a Lei de Exceção que concedia ao governo o poder de governar por decretos, Lei que o parlamento acatou por meio de ameaças e pressões. Todo o processo estaria completo com a supressão do cargo de presidente, quando Von Hindenburg falecesse, o que ocorreu em agosto de 1934. Nascia, assim, a ditadura hitleriana.
Foi nesse ambiente que os acertos finais para a Concordata do Reich foram tomados. A necessidade dela tornou-se ainda mais premente diante do novo governo, que, se não promovia abertamente uma perseguição contra os católicos, permitia sub-repticiamente que tal acontecesse a nível local pela ação dos grupos paramilitares nazistas. A Concordata foi assinada em 20 de julho de 1933, em Roma, pelo Cardeal Secretário de Estado Pacelli, representando a Santa Sé, e pelo vice-chanceler do Reich, Franz Von Papen, representando a Alemanha. Pelo acordo, ficavam reconhecidas as Concordatas anteriores assinadas com os estados alemães (Baviera, Prússia, Baden), a Igreja Católica gozaria de plena liberdade religiosa no Reich, as faculdades de teologia seriam mantidas nas universidades estatais, assegurava-se a educação religiosa nas escolas, mesmo as não-confessionais, possibilitava-se a ação pastoral nos hospitais e no Exército e prometia-se a proteção das associações católicas com finalidades religiosas, culturais, educativas e profissionais (MARTINA, 1997, p. 174). Em contrapartida, o episcopado deveria reconhecer a legalidade do novo regime, os bispos nomeados pelo Papa deveriam prestar juramento ao Estado antes de assumirem suas dioceses e o clero não poderia envolver-se em qualquer tipo de política. Esta última exigência praticamente obrigava a dissolução do Zentrum, o partido católico de centro, que constituía uma significativa oposição ao governo, uma vez que aquele tinha ampla participação do clero, inclusive tendo um padre como presidente do partido, Monsenhor Ludwig Kaas, o qual era também estreito colaborador do Cardeal Pacelli. Mas a relação entre a assinatura da Concordata e a dissolução do Zentrum, dada como certa por Cornwell (2000, p. 122-174) ainda é discutida entre os historiadores (MARTINA, 1997, p. 173-174).
Desde muito cedo a Igreja Católica na Alemanha tinha percebido o caráter anticristão do Partido Nazista. Os católicos foram terminantemente proibidos de se afiliarem ao Partido[2], cujos membros não podiam participar dos sacramentos nem tampouco serem sepultados nos cemitérios da Igreja. A postura era a mesma da Santa Sé. Mesmo o hostil Cornwell (2000, p. 132) admite que “o Vaticano não era absolutamente favorável ao Partido nazista. A Santa Sé não endossava o racismo implícito ou explícito do nacional-socialismo. Alertava para o seu potencial de instituir um credo idólatra, baseado em fantasias pagãs e uma história folclórica espúria”.
Os nazistas, por sua vez, reclamavam da oposição católica que encontravam em todos os lugares da Alemanha por parte dos fiéis, dos intelectuais, do clero e do episcopado. A primeira condenação formal dos bispos aconteceu na Baviera em 1931. Logo outras dioceses importantes como Colônia e Padeborn juntaram-se às condenações. Depois das eleições de julho de 1932, com a vitória dos nazistas, todos os bispos alemães, reunidos em Fulda para a sua Conferência Geral, denunciaram os nazistas por suas doutrinas pagãs e seus métodos violentos e hostis à fé e à moralidade. Mesmo depois da subida de Hitler ao poder, os bispos ainda mantinham uma condenação geral, que foi aos poucos declinando. Diante da assinatura da Concordata e da linguagem adocicada acompanhada de lisonjas e garantias que Hitler oferecia à Igreja, alguns bispos se viram em dúvida a respeito do regime e foram obrigados a atenuar as condenações e deixar ao clero o juízo de casos específicos. Hitler tinha proibido os nazistas de exporem publicamente suas opiniões a respeito da religião já em 1927 (CORNWELL, 2000, p. 121) e promovia uma política de boa vizinhança e colaboração entre a Igreja e o novo Estado alemão. É verdade que alguns caíram na demagogia do Führer, como o abade beneditino Alban Schachleitner, mas Hitler sabia que um confronto direto com a Igreja Católica poderia desencadear uma forte oposição ao nacional-socialismo, como aconteceu durante a repressão católica conhecida como Kulturkampf durante o Primeiro Reich de Otto Von Bismarck, no século XIX. Internamente, todos os membros do partido tinham o cristianismo como um inimigo em potencial. Alfred Rosenberg, o ideólogo do partido, dizia: “Catolicismo, protestantismo e judaísmo deverão deixar campo livre a uma nova concepção de mundo, de modo que destes não fique nem a lembrança” (GASPARI, 1998 apud BLESSMANN, 2003, p. 121). A revista nazista Deutsche Volkskirche escreveu: “Toda acomodação entre a Igreja Romana e o Nacional-Socialismo é impossível; apenas pode haver um conflito para vitória ou derrota” (RYCHLAK, 2000 apud BLESSMANN, 2003, p. 122). No Mein Kampf (Minha Luta), seu livro programático e de memórias, Hitler tinha escrito que eliminaria o cristianismo logo depois do judaísmo; ele tencionava criar uma religião nazista, baseada no mito da raça e do sangue e tendo como objeto de culto ninguém menos do que ele próprio[3]. Na verdade, “Hitler pretendia a total extinção da fé tradicional dos cristãos, por meio de restrições e de um terror em escala crescente” (BLESSMANN, 2003, p. 123). Apesar disso, ele tentava evitar toda e qualquer confrontação aberta com o catolicismo, que era uma força importante dentro da sociedade alemã.
Dentro dessa lógica, Hitler empenhou-se ao máximo para ter um acordo concordatário com a Santa Sé em moldes semelhantes ao que Mussolini conseguiu com os Pactos de Latrão. Ele achava – ou pelo menos se gabava disso publicamente – que a Concordata era um endosso moral da Santa Sé ao novo Reich. Logo após a assinatura da Concordata, Hitler disse que “o fato de o Vaticano estar concluindo um tratado com a nova Alemanha significa o reconhecimento do Estado nacional-socialista pela Igreja Católica. Esse tratado comprova para o mundo inteiro, de maneira clara e inequívoca, que a insinuação de que o nacional-socialismo é hostil à religião não passa de uma mentira” (SCHOLDER, 1987 apud CORNWELL, 2000, p. 147). A visão de Pacelli era muito diferente. Para começar, ele negou categoricamente que o acordo fosse um endosso ao regime nazista em um artigo publicado no L’Osservatore Romano (jornal oficioso da Santa Sé). Para ele, a Concordata constituía uma base jurídica para defender os católicos das eventuais perseguições que, com certeza, adviriam no futuro. De fato, houve 34 protestos da Santa Sé contra violações da Concordata desde que esta foi assinada até 1937, quando a situação se tornou insustentável e obrigou a uma condenação enérgica por parte do Pio XI.
No decorrer dos anos 1930, a Igreja na Alemanha se viu amplamente perseguida. A perseguição não era nem aberta nem sistemática; cá e lá, em diversas partes do Reich, as autoridades locais ou os milicianos nazistas eram incentivados desde as altas esferas do governo – mas sem comprometê-lo – a cometer pequenos e médios atos contra os católicos. Assim, por exemplo, "cinco dias após sua assinatura [da Concordata do Reich] foi aprovada a lei de esterilização; e após mais cinco dias o líder da Ação Católica Alemã, Dr. Erich Klausener, foi assassinado. Em quatro anos centenas de padres católicos foram presos, sendo que pelo menos 127 foram enviados para campos de concentração; propriedades da Igreja foram confiscadas; a imprensa católica foi gradativamente sendo suprimida; as escolas católicas foram sendo fechadas[4]; a juventude foi afastada da família e da Igreja, pois as reuniões dos ramos da Juventude Hitlerista (praticamente todos os adolescentes a elas pertenciam, por livre vontade ou sob pressão) eram feitas nas manhãs dos domingos, única oportunidade, naquela época, de cumprir o preceito de missa dominical" (BLESSMANN, 2003, p. 77).
"Uma intensa campanha difamatória foi feita por radiofonia, revistas e periódicos; os católicos eram caluniados e declarados inimigos do Reich. Entre as calúnias estava a que afirmava que as sacristias viraram bordéis e os monastérios locais de homossexualidade. Católicos foram proibidos de organizarem reuniões públicas, mesmo que para fins estritamente religiosos. Conventos foram declarados excessivos, e mais de 600 freiras professoras foram excluídas do ensino e intimadas a encontrarem empregos civis. Só na Baviera foram 367 as freiras excluídas do ensino nas escolas; também não podiam trabalhar em creches e jardins de infância. (...) Os sacerdotes e religiosos ficavam sob vigilância constante, mesmo dentro das igrejas e durante os cultos. Eram denunciados à Gestapo se apresentassem a doutrina católica de um modo que não fosse do agrado dos nazistas" (BLESSMANN, 2003, p. 123-124).
Alguns se insurgiam e criticavam o governo de maneira bastante incisiva, como o jesuíta Josef Spieker, o primeiro sacerdote enviado a um campo de concentração por ter dito numa homilia da festa de Cristo Rei, em 28 de outubro de 1934, que o único Führer da Alemanha era Cristo[5]. Também o padre Bernhard Lichtenberg foi condenado a dois anos de prisão por ter rezado pelos judeus na Catedral de Santa Edwiges em Berlim depois da Kristallnacht e o jesuíta Rupert Mayer foi condenado a seis meses de prisão, em 1937, por pregar contra o antissemitismo nazista (CORNWELL, 2000, p. 206). Alguns bispos corajosos também se pronunciaram contra o regime, como Konrad Von Preysing de Berlim, Clemens August Von Galen de Münster e o cardeal arcebispo de Munique Michael Von Faulhaber, que chegou a dizer num sermão: “Não podemos jamais esquecer: não somos salvos pelo sangue alemão. Somos salvos pelo sangue precioso de Nosso Senhor crucificado” (CORNWELL, 2000, p.180)[7]. A maior parte do episcopado, no entanto, preferiu não bater de frente com Hitler enquanto ele não fosse abertamente contra o cristianismo e promovesse uma perseguição sistemática. Hitler negava todas as acusações de perseguição e para os que protestavam lembrava a sorte dos católicos nos países comunistas.


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[1] SA: Sturmabteilung, as tropas de assalto de Hitler.
[2] Esta proibição foi imposta pelo episcopado já em 1932 e revalidada em 1933, sendo reiterada nos anos de 1934, 1935, 1936 e 1938 (BLESSMANN, 2003, p. 166).
[3] O Doutor Felix Kersten, médico pessoal de Heinrich Himmler (o famigerado chefe das SS (Schutzstaffeln – Tropas de Proteção) e da GESTAPO (Geheimestaatspolizei – Polícia Secreta do Estado), e homem mais poderoso do Reich depois de Hitler), disse que Himmler tinha lhe dito em certa ocasião, pouco antes da ocupação da França (junho de 1940): “Depois da vitória do III Reich (...) o Führer abolirá o cristianismo em toda a Grande Alemanha, isto é, na Europa, e levantará sôbre (sic) as ruínas a fé germânica. Conservaremos a idéia (sic) de Deus mas de maneira vaga e indistinta. O Führer substituirá o Cristo como Salvador da Humanidade. Assim, milhões e milhões de pessoas só professarão o nome de Hitler em suas preces e daqui a 100 anos nada se conhecerá senão a nova religião” (KESSEL, 1966, p. 82-83).
[4] As escolas confessionais católicas na Alemanha eram mais de 15 mil (MARTINA, 1997, p. 176; ZAGHENI, 1999, p. 289).
[5] No sentido de que Cristo era o único chefe (Führer) da Alemanha e não Hitler.
[6] Faulhaber também fez uma série de cinco célebres sermões, durante o Advento, defendo o Antigo Testamento das acusações nazistas. Em outra ocasião, diante das críticas de Rosenberg à sua pessoa, o Cardeal declarou que Rosenberg “escreveu que não estima o Arcebispo de Munique, porém o Arcebispo deveria envergonhar-se até desaparecer se homens de tal índole o estimassem” (GASPARI, 1998 apud BLESSMANN, 2003, p. 166).
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Um comentário:

  1. Um analfabeto anônimo deixou o seguinte comentário (sic todo ele): "voces mostram essas merdas que a cristandade fez, junto com os governos totalitarios, e depois pedem moderação no comentario, legal voces nééé..."
    Por que analfabeto? Ele simplesmente não leu o texto do post e, perdoem-me o neologismo cunhado para não ferir os ouvidos, "flatulou" o dito acima.
    Bem, este espaço não é democrático, ele me pertence; portanto, publico os comentários que eu quiser. Entretanto, aqui está o seu comentário publicado, Sr. "Anônimo", tá vendo como sou legal?

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