quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Pio XII e a II Guerra... - Nomeação para Núncio na Alemanha

CAPÍTULO I
EUGENIO PACELLI
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1.4 NOMEAÇÃO PARA NÚNCIO NA ALEMANHA
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O ano de 1917 viu acontecer fatos importantes que iriam repercutir no mundo inteiro durante todo o século XX.
A Guerra Mundial entrava num momento crítico para os Aliados. Bucareste ocupada pelos alemães, ofensivas sem efeito, várias derrotas na guerra de submarinos e a não entrada dos americanos no conflito, tudo isso tornava a vida difícil para os Aliados. Por fim, a Rússia principiou a mergulhar no caos revolucionário.
A revolução russa iniciou-se em 8 de março com a deposição do czar e a instauração de um novo tipo de regime: a ditadura do proletariado. O movimento comandado por Vladimir Lenin e Joseph Stalin espalhava-se por toda a Rússia e se voltava contra as igrejas cristãs. A perseguição aumentava a cada dia e o Papa chegou a pedir um sinal do céu para reanimar a Igreja.
O sinal veio a 13 de maio: em Portugal, na Cova da Iria, próximo do pequeno vilarejo de Fátima, três crianças que pastoreavam ovelhas, Francisco e Jacinta Marto e sua prima Lúcia dos Santos, disseram ter visto uma senhora bela, em vestes resplendentes como o sol, anunciando-se como a Virgem Maria, Mãe de Deus. Ela trazia uma mensagem de conversão e penitência, conclamando o mundo a rezar pela paz e pela conversão da Rússia. As aparições ocorreram durante os seis meses seguintes, sendo que a última delas, a 13 de outubro, foi acompanhada de sinais cósmicos vistos por mais de setenta mil pessoas, reunidas no lugar.
No mesmo instante em que a Virgem apareceu pela primeira vez aos pastorinhos, o Papa Bento XV sagrava seu Secretário de Assuntos Extraordinários como Arcebispo de Sardes. O objetivo da sagração era enviar Pacelli como Núncio Apostólico[1] para a Baviera, no lugar de monsenhor Giuseppe Anversa que falecera no começo do ano. A contragosto, pois desejava estar perto da mãe doente em Roma – seu pai falecera um ano antes –, Pacelli aceitou a delicada missão e, cinco dias depois da sagração, partiu para Munique, onde permaneceria por oito anos.
O Estado da Baviera, cuja capital era Munique, sempre foi um Estado de maioria católica, sendo um dos poucos lugares da Alemanha nos quais a Reforma Protestante de Lutero não prosperou. A ligação, portanto, deste Estado com o Vaticano vinha de longa data: desde 1786 havia um representante do Papa junto ao governo, um Núncio Apostólico (LEEN, 195-, p. 52). Mesmo depois da unificação alemã, em 1870, a Baviera, bem como os outros estados alemães, embora unidos como nação – o Reich (Império) –, constituía uma unidade federativa com relativa autonomia em relação ao governo central de Berlim, possuindo uma organização administrativa e legislativa própria. A Baviera era o único Estado alemão que possuía relações diplomáticas com o Vaticano. Daí sua importância como porta de entrada para o estabelecimento de relações mais amplas com o Reich.
No dia 25 de maio de 1917, o Núncio Eugenio Pacelli chegou a Munique e se instalou no prédio da Nunciatura, no número 15 da Brennerstrasse. A recepção oficial deu-se três dias depois, no palácio real da Baviera, onde foi recebido pelo rei Luis III e por toda a corte, com grande pompa. Mas seu encontro mais importante com as autoridades alemãs deu-se um mês depois, em 28 de junho, quando entrevistou-se com o próprio Imperador, o Kaiser Guilherme II, em seu quartel-general em Kreuznach, na Renania. Ali, Pacelli revelou sua principal missão àquela altura: apresentar ao Imperador um plano de paz proposto pelo Papa Bento XV. Este plano previa, basicamente, a livre navegação dos mares, o controle dos armamentos, negociações sobre as fronteiras entre França e Alemanha e entre Áustria e Itália, a preservação das colônias alemãs e a independência da Bélgica. Mas o Kaiser se recusou a levar em conta essas propostas, alegando para isso a má vontade dos inimigos da Alemanha em negociar a paz e a não-culpa dos alemães pela deflagração do conflito. No fim das contas, parecia aos dois lados que a vitória na Guerra ainda era possível e havia pouca disposição de ambas as partes para sentarem juntas e negociarem.
Tendo malogrado o plano de paz do Papa, o Núncio Pacelli dedicou-se, nos meses seguintes, a socorrer os afligidos pela guerra, organizando tal rede de ajuda que superaria a da Cruz Vermelha (MELO, 1974, p. 27), inclusive instando ao Papa a criação de um serviço especial de alívio para as vítimas da Guerra em todo o continente. Ele visitou toda a Alemanha, levando a ajuda material e espiritual da Igreja, inclusive indo pessoalmente vistoriar os campos de prisioneiros de guerra. Seu trabalho assistencial estendeu-se até depois da Guerra. A cidade de Munique, reconhecida pelo trabalho benemérito do Núncio, deu o seu nome a uma das ruas da cidade, que passou a se chamar Pacellistrasse.
A Guerra terminou em 11 de novembro de 1918, com a assinatura de um armistício por representantes alemães. O Kaiser abdicou e fugiu para a Holanda; o chanceler Max de Baden transferiu o governo para um presidente interino, Friedrich Ebert, do Partido Social- Democrata Alemão. Começou um período negro para a Alemanha.
"Não houve uma transição suave para a democracia. Os Aliados empurraram a Alemanha para um vazio político, provocando uma profunda mudança revolucionária e o caos econômico e social, que por sua vez acarretou fome, distúrbios e greves. Por algum tempo, parecia que o triunfo bolchevique na Rússia seria repetido na Alemanha" (CORNWELL, 2000, p. 87).
Munique, sede da Nunciatura, foi um dos principais focos do terrorismo bolchevique na Alemanha. Durante certo período, no fim de 1918 e começo de 1919, o Núncio retirou-se, para a sua segurança, para uma casa religiosa na Suíça. Quando voltou, no começo de 1919, a situação ainda era grave e havia de piorar. Um governo bolchevique tinha sido instalado na cidade e promovia o terror revolucionário, com seqüestros, prisões arbitrárias, censura, confisco de bens, violação dos direitos civis, fome e tudo o mais que acarreta uma revolução. Nem o estatuto de extraterritorialidade das embaixadas estrangeiras foi respeitado. Por diversas vezes a nunciatura foi invadida, e, numa delas, o próprio Pacelli teve uma arma apontada para sua cabeça. A situação só melhorou em agosto, com a instauração de um regime republicano alemão, a chamada República de Weimar, alusão à cidade onde foi ratificada a nova Constituição.
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[1] Os Núncios eram representantes do Papa junto aos diversos países e são considerados como parte do corpo diplomático e verdadeiros embaixadores da Santa Sé.
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