sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Pio XII e a II Guerra... - A Itália dos anos 1930

CAPÍTULO II

OS DIFÍCEIS ANOS 1930

2.1 A ITÁLIA DOS ANOS 1930


No dia 16 de dezembro de 1929 realizou-se um Consistório para a elevação de novos purpurados ao cardinalato. Nesta ocasião, os arcebispos de Lisboa, Palermo (Itália), Gênova, Armagh (Irlanda), Paris, e o até então Núncio Apostólico na Alemanha, Eugenio Pacelli, receberam o chapéu cardinalício. Agora, faziam parte do seleto grupo de cardeais que elegeriam o Papa num futuro conclave. Mas, como dito, o motivo principal para que Pacelli fosse elevado à dignidade de Cardeal-Sacerdote de Santi Giovanni e Paolo foi a sua escolha para assumir o delicado cargo de Secretário de Estado do Vaticano, o mais poderoso na hierarquia vaticana depois do Papa. O Secretário de Estado era o responsável último por toda a burocracia do Estado do Vaticano e da alta cúpula da Igreja Católica, e o grande articulador das relações entre o Vaticano e as outras nações do mundo, além de auxiliar o Papa em toda sorte de trabalho, como dar pareceres sobre diversos assuntos para que este tomasse as decisões. No decorrer da década de 1930, o agora Cardeal Pacelli exercerá, concomitantemente ao cargo de Secretário de Estado, outras funções na Igreja como Arcipreste de São Pedro, Legado Papal e Camerlengo[1].

A Itália que Eugenio Pacelli conheceu quando voltou da Alemanha era governada, desde 1925, por um carismático e autoritário político, Benito Mussolini, chefe do Partido Fascista, fundado por ele em 1919 como um movimento de ideias e transformado em Partido em 1921[2]. Em 11 de fevereiro de 1929, o governo fascista assinou com a Igreja os Pactos de Latrão, dos quais faziam parte um Tratado que resolvia a antiga Questão Romana e uma Concordata com o Estado italiano. Ambos definiam as relações entre Igreja e Estado na Itália, reconheciam o Vaticano como Estado independente dentro da cidade de Roma, com um território de 44 km² e todos os direitos e prerrogativas soberanas: “poderes legislativo, executivo e judiciário; bandeira, polícia e moedas próprias; faculdade de imprimir selos; telégrafo e até uma pequena ferrovia” (MELO, 1974, p. 34). O Estado italiano adotaria o catolicismo como religião oficial do Estado, reconheceria o Código de Direito Canônico de 1917 e garantiria o reconhecimento civil dos casamentos religiosos na Itália, além do direito da Igreja de fundar escolas e promover amplamente a educação católica. O acordo regularizava, ainda, o estatuto do movimento laical da Ação Católica enquanto associação religiosa e apolítica[3].

No entanto, um acordo com um governo autoritário que tenta regular a vida inteira dos cidadãos não poderia ser sustentado sem percalços. Os primeiros atritos entre o governo italiano e a Santa Sé aconteceram justamente por causa da Ação Católica, o único movimento católico permitido pelos Pactos Lateranenses. Ondas de quebra-quebras, intimidações, ameaças, violências e fechamento de grupos do movimento, tudo sob a acusação de que estes eram usados para ação política, criaram um clima de franca hostilidade entre o governo italiano e a Santa Sé. Em 1931, a situação chegou a um nível tal que o papa Pio XI viu-se obrigado a protestar oficialmente e em termos enérgicos na encíclica Non abbiamo bisogno, que se levantava contra “o propósito (...) de monopolizar inteiramente a juventude (...) para a plena e exclusiva vantagem de um partido, de um regime, sobre a base de uma ideologia que explicitamente se resolve em uma verdadeira “estadolatria” pagã, em aberta contradição, tanto com os direitos naturais da família, como com os direitos sobrenaturais da Igreja” (PIO XI, 1931, n. 23, tradução nossa). A violência atinge agora amplamente os grupos católicos. Somente pela pressão do governo americano, que negociava com a Itália uma ajuda econômica para a grande crise que esta atravessava, é que os ânimos dos fascistas arrefeceram. No começo de 1932, por ocasião do terceiro aniversário dos Pactos de Latrão, Mussolini visitou o Papa pela primeira vez, numa atitude de conciliação. Logo após, os dois lados celebraram um acordo que permitiu aos grupos da Ação Católica voltarem a funcionar na Itália.

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[1] O Arcipreste de São Pedro era responsável pelo cerimonial nas grandes celebrações pontifícias na Basílica de São Pedro. O Legado Papal era escolhido como representante do Papa para alguma ocasião especial a que este não pudesse comparecer. O Camerlengo era responsável pelo governo dos bens temporais da Igreja no período de ausência do Papa; ele também organiza os funerais do Papa falecido e preside uma comissão de Cardeais responsáveis por cuidar dos assuntos urgentes da Igreja durante o tempo da sede vacante.
[2] Para um resumo da política fascista e de suas realizações sociais, cf. Zagheni (1999, p. 267-270).
[3] Os Pactos de Latrão previam, além de tudo, um acordo financeiro no qual a Santa Sé receberia cerca de um bilhão de liras e uma renda de cinco por cento sobre os títulos italianos como modo de ressarcimento pelo confisco dos bens eclesiásticos pelo Estado italiano no século anterior. Para mais detalhes sobre os Pactos, cf. Veruso (1996, p. 58-63) e Forty (1969, p. 8).

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