domingo, 22 de agosto de 2010

Pio XII e a Segunda Guerra Mundial: A questão judaica

Quando Hitler subiu ao poder, em 30 de janeiro de 1933, os nazistas puderam finalmente pôr em prática o programa do Partido para a Alemanha. A década de 1930, de fato, constitui a passagem da ideologia da década anterior para a prática política. O antissemitismo, uma das bandeiras nacional-socialistas, agora podia ser mais abertamente disseminado através da doutrinação em massa e da implantação de políticas específicas, muito embora permanecesse, dentro da esfera de prioridades do Reich nascente, em segundo plano.

Desde o começo, a preocupação do novo governo era expurgar os judeus da vida pública alemã. Isso era feito basicamente por dois modos: através de leis antissemitas, que iam retirando paulatinamente do judeu a cidadania alemã, e por atos de violência esparsa contra alvos judeus com o intuito de amedrontar essa comunidade e forçá-la a emigrar.

As leis antissemitas começaram a aparecer logo em 4 de abril. Restringiam as condições sociais, políticas, legais e econômicas dos judeus na Alemanha. Um decreto do dia 7 de abril de 1933 expulsou todos os não-arianos do serviço público e do magistério. Outros que se seguiram no mesmo ano e no ano seguinte, excluíram os judeus das associações de esportes, da cultura, do trabalho em jornais, no teatro e nos cinemas. Em 1935, como que coroando o trabalho dos dois anos anteriores, foram promulgadas as famosas Leis de Nuremberg, as quais estabeleciam que os judeus, por não terem sangue ariano, eram uma raça estranha ao corpo da sociedade alemã e estavam excluídos oficialmente dela. As Leis de Nuremberg iriam ser utilizadas como fundamento para o planejamento da Solução Final em 1941 (ROSEMAN, 2003, p. 132).

O outro modo de intimidação direta contra os judeus foi a violência. Em primeiro lugar, a violência econômica: em abril de 1933, um boicote geral foi feito, com o patrocínio do governo, aos estabelecimentos judaicos na Alemanha. Entre os objetivos da emigração estava a sanha avarenta de tomar os bens dos judeus, aos encargos de Herman Göring, um dos principais líderes nazistas.

A perseguição de Göring aos judeus era feita em grande parte em termos econômicos. Tendo as leis raciais promulgadas em Nuremberg, em 1935, à sua disposição, ele usurpava as propriedades dos judeus e, a pretexto de “organizar” as firmas de elementos dessa raça, ele acabava por proibir a participação dos judeus na vida industrial do país. Nesse período, a política alemã era toda dirigida no sentido de voar no dinheiro e nas propriedades dos judeus. Com este objetivo, encorajava-os a fugir, depois de persegui-los e ameaçá-los, deixando para trás suas riquezas e possessões básicas.

No começo de 1938, já toda a propriedade judia se encontrava catalogada (MANVELL, 1974, p. 94).

A violência física contra os judeus era promovida principalmente pelas tropas de assalto nazistas, as SA e posteriormente pelas SS, violência que se estendia a todos os críticos do regime, como os católicos, as Testemunhas de Jeová (por se recusarem a prestar serviço militar obrigatório), os comunistas. A Gestapo agia no sentido de exercer o controle sobre os suspeitos, investigando os potenciais adversários, reais ou imaginários. Nesse ambiente crescente de medo e insegurança, a comunidade judaica foi cada vez mais se encolhendo e o objetivo nazista foi se realizando: promover a imigração dos judeus da Alemanha, como assinala Mark Roseman: “A maré de medidas discriminatórias que engolfou a comunidade judaica com velocidade tão vertiginosa movia-se rumo à meta de uma sociedade livre de judeus” (ROSEMAN, 2003, p. 16).

A emigração judaica posta a cabo pelos nazistas era contraditória. Uma vez que o confisco governamental direto e indireto e o apartheid judeu levavam ao seu empobrecimento, os judeus em território alemão tinham cada vez menos condições econômicas para emigrar, da mesma forma que se tornava cada vez mais difícil os países aceitarem levas de imigrantes judeus em seu solo. Muitos saíram no período de emigração “voluntária” entre 1933 e 1939: cerca de meio milhão (BLESSMANN, 2003, p. 107). Os demais resolveram ficar na Alemanha, mas já constituíam uma comunidade encolhida e aterrada, vivendo de economias e da caridade entre eles (ROSEMAN, 2003, p. 16). Após o Anschluss[1], em 1938, foi criada uma agência para a emigração judaica em Viena e em janeiro de 1939, pouco depois da explosão de violência antijudaica na chamada Kristallnacht (noite dos cristais, alusão aos estilhaços de vidro das lojas judaicas depredadas) em 9 de novembro de 1938, que deixou um saldo de 851 lojas destruídas, 191 sinagogas incendiadas e 76 demolidas, 91 judeus mortos e 20 mil presos em campos de concentração (BLESSMANN, 2003, p. 118), foi estabelecida uma agência de emigração para todo o Reich. Esta agência seria responsável, mais tarde – em 1941 – por organizar toda a Solução Final da Questão Judaica, ou seja, o genocídio dos judeus.

Entre os historiadores mais equilibrados, há a convicção clara que o Holocausto judaico não estava nos planos nazistas nos anos 1930. Mesmo o uso de uma linguagem homicida por parte de Hitler e da elite nazista não implicava necessariamente que se pensasse em algo como um genocídio ou mesmo um assassinato em massa. O esforço que o governo nazista fez para excluir o judeu da vida pública “não fazia sentido se a política tivesse em vista, mesmo secretamente, o assassinato. As metas principais dos nazistas até a guerra foram suprimir a influência judaica, suprimir a riqueza judaica e suprimir os judeus da Alemanha” (ROSEMAN, 2003, p. 16). A emigração dos judeus da Alemanha era a meta que Hitler tinha em mente.


[1] Anexação da Áustria à Alemanha. Cf, adiante, "O trabalho do Cardeal Pacelli".


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