quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Pio XII e a II Guerra... - O Código de Direito Canônico e a Primeira Guerra Mundial

CAPÍTULO I
EUGENIO PACELLI
.
1.3 O CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO E A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
.
Logo que foi ordenado, Pacelli iniciou os estudos de Direito Canônico, tendo adquirido seu Doutorado em 1904. Na época, reinava o Papa Pio X. Justamente nesta época, ele foi incumbido por Monsenhor Gasparri (que seria criado Cardeal em 1907) de codificar o Direito Canônico, uma tarefa faraônica que consistia em reunir, para depois sintetizar e atualizar, todos os decretos e leis eclesiásticas em todo o mundo, desde a fundação do cristianismo, que estavam contidos em mais de dois mil volumes (LEEN, 195-, p. 41-42). Esse trabalho monumental, auxiliado por mais de quinhentos colaboradores em 63 nunciaturas espalhadas pelo orbe, consumiria Pacelli em meio a todas as suas outras atribuições na Secretaria de Estado e nas missões especiais de que era incumbido, sem esquecer ainda sua atividade pastoral, por cerca de doze anos, sendo o Código de Direito Canônico promulgado pelo papa Bento XV em 1917.
Para que tal Código fosse realmente efetivo, era necessário harmonizá-lo com as diversas leis já existentes na Igreja; isso, sobremodo, servia para as Concordatas que eram acordos que a Santa Sé fazia com os Estados que o requisitavam de modo a regular as relações Igreja-Estado[1]. Esse trabalho de harmonizar o Código com as leis eclesiásticas e as Concordatas será entregue a Pacelli, que se desincumbirá dele com perfeição durante seus trabalhos como diplomata do Vaticano, até sua eleição a Papa. Para tanto, foi lhe dado, em 20 de junho de 1912, o título de Monsenhor[2] e o cargo de Pró-Secretário da Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários. Ele será promovido a Secretário dois anos depois, a 1º de fevereiro de 1914.
Desde o ano anterior, Pacelli tinha sido designado pelo cardeal Merry del Val, Secretário de Estado, para dirigir as negociações de uma Concordata com a Sérvia. O documento foi assinado em 24 de junho de 1914, cinco dias antes do assassinato, em Sarajevo, do arquiduque austríaco Francisco Ferdinando, fato que foi considerado o estopim para a Primeira Guerra Mundial. Autores como Cornwell (2000, p. 64) querem fazer crer que a Concordata Sérvia teria ajudado a exaltar os ânimos das partes em tensão, sobretudo a Áustria, que teria sido prejudicada em seus direitos de protetorado sobre a Sérvia. Segundo ele, a Concordata “sem a menor sombra de dúvida, contribuiu para as reparações duras que o Império Austro-Húngaro exigiu da Sérvia, tornando a guerra inevitável”. A consequência inevitável de tal asserção é que teria sido Pacelli, como principal negociador da Concordata como representante do Vaticano, um dos principais responsáveis pela deflagração da Primeira Grande Guerra, o que Cornwell insinua claramente.
Uma vez estourada a Guerra, o Papa Bento XV assume uma posição de imparcialidade perante as coalizões beligerantes, uma vez que há católicos em ambos os lados do front e recusa-se veementemente a tomar parte no conflito, de forma análoga ao que fará Pio XII durante a Segunda Guerra. Tal atitude lhe valeu, decerto, antipatias. Quando lhe pediram que protestasse contra as atrocidades cometidas pelos alemães em combate, lembrou que os aliados também cometeram atrocidades e que ele, em sua posição, não poderia condenar umas sem deixar de condenar também as outras. Incompreendido, foi chamado de “Judas XV” pelo escritor Leon Bloy, que julgou que o Papa teria traído a causa dos aliados. Enquanto isso, Pacelli continuava seu trabalho de codificação do Direito Canônico e seu esforço por harmonizar as leis eclesiásticas vigentes com o novo Código.

________
[1] Existiam três tipos de acordos que a Santa Sé assinava com os Estados nacionais: o Modus Vivendi, a Convenção e a Concordata. Os dois primeiros eram acordos simples que regulavam algumas questões particulares, que variavam de nação para nação, como por exemplo, a nomeação dos bispos, os limites das circunscrições eclesiásticas, a salvaguarda de associações católicas. Acordos como estes foram assinados com a França (em 1926), com Portugal (1928 e 1929), com a Tchecoslováquia (um Modus Vivendi, em 1927). Já as Concordatas eram acordos mais amplos e que envolviam vários aspectos que regulavam a convivência entre a Igreja e o Estado. Os acordos dividiam-se em três grupos, cada qual com suas peculiaridades: os assinados com Estados predominantemente católicos (Baviera, 1924; Polônia, 1925; Lituânia, 1927; Itália, 1929; Áustria, 1933), onde se buscava, em síntese, conseguir para o catolicismo o status de religião oficial; os firmados com Estados com forte e significativa presença católica (Tchecoslováquia, 1927; Baden, 1932; Prússia, 1929; Alemanha, 1933), tinham por objetivo adquirir certas facilidades mais ou menos importantes quanto às questões de educação católica e subvenção econômica; finalmente, os assinados com países com minorias católicas (Letônia, 1922; Romênia, 1927 e 1932), reivindicavam o princípio da liberdade religiosa e reconhecimento do catolicismo em par de igualdade com as outras religiões. O que havia de comum a todos esses acordos era a faculdade de livre escolha dos bispos pela Santa Sé, podendo o Estado objetar o escolhido por motivos políticos; o clero e os responsáveis pelas ordens e congregações religiosas deveriam ser cidadãos do país e deveriam estar afastados da militância política (VERUSO, 1996, p. 56-58).
[2] “O título de monsenhor é conferido pelo Papa a um clérigo, por mérito ou antiguidade de serviço, ou como categoria correspondente às tarefas confiadas aos seus cuidados” (LEEN, 195-, p. 40), este último sendo o caso de Pacelli. Ele também seria nomeado Cônego da Basílica de São Pedro, cujo cabido era responsável pelo canto solene do Ofício Divino, a oração oficial da Igreja (LEEN, 195-, p. 40).

.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário